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Em uma ode de amor ao lugar em que viveu marcantes momentos de sua infância e juventude, o realizador audiovisual Victor de Melo dirigiu o curta “Ponte Velha” (2018) apresentando a ligação existente entre o local e os moradores de Fortaleza, assim como parte da história da construção

Por Beatriz Rabelo

O vaivém dos pescadores levados pelas marés, o arco dos pulos que tombam em direção ao mar, as longarinas enferrujadas, os ramos verdes que crescem entre as pedras da passarela. Também ali, bem perto do limite da ponte, se vê uma escada já enferrujada na qual os jovens se amontoam para sair mais rápido do mar. Não pelo medo do que há debaixo, mas pela ansiosa vontade de retornar às águas. 

 

À tardinha, os moradores do Poço da Draga e de outras localidades de Fortaleza se reúnem para ver o pôr do sol ou mesmo avaliar os pulos corajosos dos que se jogam no mar. As peles bronzeadas e queimadas pelo sol, os cabelos molhados, água pingando dos calções de banho, poças formadas sobre os pés. 

 

Esse foi o cenário da juventude do realizador audiovisual e diretor de fotografia Victor de Melo, hoje com 35 anos. Era ali onde pulava, saía para encontrar os amigos, escutar música, tomar um vinho, fumar, pescar e namorar. Sendo cria do Poço da Draga, vê a Ponte Velha como uma extensão da residência de sua mãe. “Tenho uma intimidade muito grande com o lugar, é como se fosse a varanda da minha casa”. 

 

Por conta de todo o carinho nutrido ao longo de sua infância e adolescência, decidiu criar algo que fosse capaz de homenagear o lugar. O projeto, que iniciou de modo tímido e não bem definido, deu seus primeiros passos a partir de fotografias analógicas e, posteriormente, digitais. “Tenho muitas fotos. Fui fazendo assim, de hobby, sem muita pretensão, aí com o tempo fiquei com vontade de fazer um filme". Fugindo do modelo convencional de se fazer um documentário, queria mesclar imagens, vídeos e sensações sobre o local. 

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Por isso, decidiu usar imagens do Youtube misturadas com vídeos do celular, de câmera 5D, HandyCam e vários outros formatos. Victor buscava compilar distintos momentos de sua vida e de outras pessoas na Ponte Velha a fim de tentar abarcar, ainda que um pouco, a relevância afetiva e histórica do local para os moradores de Fortaleza.  

 

“Para mim, era muito importante como realização pessoal e como um registro pra cidade, de ter algo que falasse da Ponte de alguma forma. Então, no fim das contas, Ponte Velha é um filme sobre a forma como a sociedade e a comunidade ocupam aquele lugar, que, ao mesmo tempo que é abandonado pelo poder público, também é completamente utilizado pela sociedade”.

"A CIDADE E AS PESSOAS ESTÃO INTERLIGADAS"

Enquanto muitas produções que tratam sobre memória e Fortaleza buscam construir uma reaproximação dos moradores com o lugar abordado ou a temática pesquisada, Victor de Melo nunca teve essa pretensão, “porque, na verdade, a aproximação já existe. Fiz para evidenciar isso. Claro, é um curta, só um recorte, não dá conta de tudo, mas se constrói em cima disso, dessa ocupação já existente da sociedade fortalezense”. 

 

E foi com o desejo de evidenciar os elos já existentes entre a Ponte e a sociedade que o curta “Ponte Velha” teve início. Produzido em 2018, o filme já começa com a câmera acompanhando um pescador. Durante os dois primeiros minutos, o público é preenchido com o som do mar, o vento que ecoa e as pessoas que observam a paisagem. Victor de Melo foca nas ruínas da ponte velha, nos barcos que balançam em sintonia com as ondas, nos grafites, nas placas e na ocupação. Não há como negar: “há vida na ponte”

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“Eu poderia olhar para o mar do Poço da Draga, que é tão bonito, ou para o pôr do sol, mas eu vou olhar pra ruína, eu vou olhar pra ocupação, eu vou olhar pra maneira como a cidade se comporta. Eu gosto muito de pessoas, da cidade e da maneira como as pessoas ocupam os lugares”

O curta de quase 23 minutos se desenrola como uma ode de amor à Ponte Velha. Com o mesmo afeto que Victor já havia retratado outros locais de Fortaleza na fotografia, como a casa de sua avó ou as ruas do centro da cidade, narrou também sobre os entrelaçamentos existentes entre os moradores e as ruínas da construção. “A cidade e as pessoas estão muito interligadas. O meu exercício é fazer o recorte que tem que ser feito e criar uma narrativa. É isso, um exercício de um olhar fotográfico”. 

 

No curta, além de mostrar pescadores, jovens, mergulhadores e outras pessoas que ocupam o espaço, também incluiu a performance de Wagner Castro como a figura mítica do tritão, “Vocês viram um cara morto ali na praia?”, criando narrativas mais mágicas sobre o local. Já a inserção de informações sobre o lugar a partir da visita guiada do geógrafo, professor de francês e morador do Poço da Draga, Sérgio Rocha, possibilitou realizar o resgate da memória de forma mais aprofundada.

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Com a presença de pescadores, turistas, fotógrafos, cachorros, ambulantes e moradores do Poço da Draga, a Ponte Velha é um elemento vivo de Fortaleza. Foto: Reprodução/ Curta-metragem "Ponte Velha"

NARRATIVAS QUE ENTRELAÇAM

Em meio às narrativas entrelaçadas em um filme, Victor de Melo percebe que as produções audiovisuais são necessárias na luta pela manutenção da memória coletiva. O recorte de um espaço-tempo apresenta uma imagem e cria o registro de lutas. No caso de “Ponte Velha”, por exemplo, o público se depara com a ocupação da comunidade que resiste em meio às ruínas. 

 

“Acho que qualquer forma de trazer essa imagem e essa luta da permanência da comunidade e do espaço que ocupa, qualquer forma que traga isso para uma discussão, é positiva”, pondera, ainda que muitas vezes pessoas apontem a não efetividade do filme em transformar realidades. “Mas ele vai estar ali, vai ser apresentado em algum festival, alguém vai discutir…”

 

Nessa divulgação de “formiguinha”, em que uma pessoa recomenda para outra e assim sucessivamente, o curta rompe o limite do Poço da Draga, chega em outros bairros e ocupa outros espaços, como universidades, mostras de cinema, praças ou mesmo assembleias. 

 

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“Por mais que o curta tenha uma linguagem experimental, é um documento. A sociedade está ali, não é um efeito do computador, nem um chroma key. As pessoas estão ali e estão dizendo ‘ó, aqui é ocupado, aqui essa ponte precisa de um olhar para ela. Será que não tem outra forma de pensar esse espaço? Talvez seja importante preservar essa ocupação’”

Em meio ao movimento de pequenas grandes mudanças na cidade, Victor de Melo se entende como um dos sujeitos que também constroem outros modos de ver a malha urbana e seus símbolos. É através do audiovisual e dos registros realizados que se consegue criar documentos passíveis de pesquisa no futuro. “Meu documento é meu filme. Vai ficar aí para sempre, não se apaga”.

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Narração do morador do Poço da Draga, geógrafo e professor de francês, Sérgio Rocha, inserido no curta de Victor de Melo

“A ponte metálica, antigo porto da cidade de Fortaleza, começou a funcionar em 26 de maio de 1906. No auge de uma grande transformação Política-Social-Econômica, período conhecido como Belle Epóque. O formato globalizado, seu sistema de trocas e aquisição de bens, se consolidava através do comércio. A cidade crescia, à disposição urbanística se transformava sob a influência do modelo de grandes metrópoles, sobretudo o europeu. 

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Para acompanhar esse modelo de trocas comerciais, era imperativo que a cidade construísse um porto, como a principal forma de alcançar as necessidades de uma metrópole. Fortaleza precisava crescer. O litoral já comportava sua própria organização social. Uma comunidade firmava-se como lugar de moradia. Pescadores, estivadores e retirantes da seca permaneciam nos arredores do Porto, mantendo os seus postos de trabalho e o cultivo da vida litorânea. 

 

A Belle Epóque passou. O sistema decidiu apostar em novas estruturas e outras paisagens. O Estado abandona o Porto, a Comunidade não”.

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