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Como forma de resgatar a memória do cinematógrafo Raimundo Carneiro de Araújo, a artista Iasmin Matos dirigiu o curta “Seu Vavá e a Paixão pela Sétima Arte” (2011) compartilhando sua história e sua atuação em Fortaleza

Por Beatriz Rabelo

Para quem costuma andar por alguns dos bairros mais centrais de Fortaleza, como Centro, Benfica ou Parquelândia, são muitos os caminhos que podem levar até o Cine Nazaré, na Rua Padre Graça do bairro Parque Araxá. No caso daqueles que passeiam de bicicleta nas proximidades do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC) ou do Shopping Benfica, é possível buscar a ciclofaixa da Avenida Domingos Olímpio e seguir direto em direção à Bezerra de Menezes. 

 

Ao chegar no cruzamento, não se deve dobrar a direita, como quem vai para o Mercado São Sebastião. O cinema fica à esquerda, a caminho do Campus do Pici. Depois daí, é necessário pedalar cerca de uns quatro quarteirões, cruzando a Avenida José Jatahy. A Rua Padre Graça vai ser aquela localizada entre o restaurante Mit’s Pastel e o posto de gasolina vermelho e amarelo, do outro lado da Bezerra de Menezes. 

 

Após atravessar a Avenida, chega-se à rua. Bem no início dela, já se tem a visão de uma árvore com tronco em formato de “V” na frente de uma grande casa amarela. Siga adiante. É nessa singela via formada de casinhas baixas que se encontra, logo ali no número 65, o Cine Nazaré. Com dois coqueiros na entrada, o ciclista precisa estar atento para não passar direto. 

 

A estrutura do cinema é simples. Com uma fachada branca, três portões amarelados e duas lonas vermelhas já desbotadas pelo sol, tem pintado o seu nome em tinta verde e letras de fôrma com serifa. Enquanto a palavra Cine está levemente curvada em arco, o nome Nazaré já é visto em uma linha horizontal quase perfeita. 

 

E é ali, dentro da sala com poltronas vermelhas acolchoadas que a magia da sétima arte acontece no cinema de rua do cinematógrafo Raimundo Carneiro de Araújo, 90 anos, popularmente conhecido como Seu Vavá. 


Com um sorriso fácil, o homem de cabelos grisalhos se colocou a relembrar o passado na frente da câmera da então estudante de audiovisual Iasmin Matos, em 2011. Foi há 10 anos que a partilha de vivências entre a jovem e o cinematógrafo resultou no curta de quase 6 minutos intitulado “Seu Vavá e a Paixão pela Sétima Arte”.

Em meio às perguntas curiosas de Iasmin, com misto de encantamento, Seu Vavá explicou o início dessa paixão e a história do seu cinema de rua, resultado de um sonho da infância. Ao longo da narrativa filmada, o mais velho se pôs a recordar sua primeira experiência vendo um filme, quando, ainda bem criança, se deitou no chão para poder espiar as imagens dançantes através das frestas da porta do Cineteatro São José, no Centro de Fortaleza.

 

Naquele momento, ocorreu a paixão à primeira vista, que fez brilhar seus olhos e fazer o coração bater mais forte no peito. Deslumbrado com produções como Casablanca e Morro dos Ventos Uivantes, Seu Vavá decidiu inaugurar o próprio cinema ainda na década de 1970 e levar essa mesma sensação de encantamento para outros moradores de Fortaleza. 

 

Após mais de meio século desde sua abertura, o local contabiliza cerca de duas mil películas capazes de rodar em equipamentos das décadas de 1920 e 1930, e se configura como o último cinema de bairro em Fortaleza. 

 

Até 2020, abria regularmente a sala de cinema com capacidade para 80 pessoas, mas precisou interromper as exibições por conta da pandemia de Covid-19 no Ceará.

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Em meio à pandemia de Covid-19 no Ceará, Seu Vavá precisou fechar temporariamente as portas do Cine Nazaré. Foto: Reprodução/ Curta-metragem "Seu Vavá e a Paixão pela Sétima Arte" 

CONSTRUINDO O IMAGINÁRIO DA CIDADE

Como as pedras do arco citado por Italo Calvino, Seu Vavá é um dos sujeitos que constroem o todo que é a cidade. Durante uma caminhada casual pelo bairro, qualquer passante pode se deparar e conhecer o cinema de rua, não sendo necessário se deslocar até o ambiente de um shopping para ter acesso às narrativas cinematográficas.  


A admiração por essa potência de criar outras maneiras no modo de habitar a cidade motivou a artista Iasmin a iniciar a produção de seu curta. Sem roteiro, ligou a câmera e se propôs a exercitar a própria escuta, atenta às vivências do animado Raimundo Carneiro.

“Ele contou o trajeto que fazia para pegar os rolos de filme, porque também foi um distribuidor das películas. Passavam primeiro pelo cinema dele, mas depois ia distribuindo por outros. Contou sobre cinema, sobre o fato de às vezes cortar as últimas cenas do filme para o público ver um final feliz” 

Sentar, ajustar a câmera, escutar. Essas práticas se repetiram durante as partilhas da artista com Seu Vavá. Em meio às gravações, Iasmin conseguiu compreender ainda mais a importância de se debruçar sobre o passado e escavar as antigas histórias a fim de conseguir  elaborar outras maneiras de habitar o presente. 

 

Fazer o registro das experiências de Seu Vavá por meio da produção audiovisual resgatou, para a luz do presente, lembranças capazes de aproximar os moradores com a cidade ainda nos dias de hoje. Isso pode modificar não só a maneira de olhar para os espaços habitados nos bairros, como até a maneira de perceber a multiplicidade de símbolos espalhados por Fortaleza. 

 

“Você não sabe da existência daquela pessoa e de repente se depara com um curta explicando isso para você de uma forma bem didática. É importante, ainda mais quando você disponibiliza nas plataformas e deixa mais acessível”. O material acaba ganhando também a possibilidade de se expandir ao utilizar o recurso do audiovisual.  

 

Seu Vavá cresceu num tempo em que o cinema era compartilhado de forma próxima com o público. O ato de averiguar a qualidade da máquina, inserir a película e esperar pela reação dos que viam um filme pela primeira vez ocorriam sempre com certa expectativa. Agora, são poucas as vivências à la Cinema Paradiso. 

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“Os historiadores no cinema mostram o que a cidade viveu, quem foram esses influenciadores que passaram por ela e consegue fazer esse resgate das figuras anônimas, que dizem respeito a toda a população”. 


Em um mundo que tenciona o ritmo mais rápido, Iasmin vê que o deslocamento do olhar para o ontem é essencial para relembrar a Fortaleza em que se vive e as histórias que a construiu. “Eu acredito que é importante a gente resgatar a memória e a nossa identidade. Sem memória, a gente não tem história”.

AS ANDANÇAS ATÉ O ENCONTRO

O movimento de andar a esmo pela cidade já era corriqueiro para Iasmin. Há 10 anos, quando vivia em uma casa no centro de Fortaleza, gostava de sair só para passear, sem um destino certo. Essa ausência de um objetivo específico lhe permitia observar as malhas urbanas com outros olhares. 

 

Por conta disso, a artista percebeu com certa surpresa a proximidade entre sua residência e o Cine Narazé. “Eu morava do lado dele, andava muito. Sempre gostei de andar de bike. Eu passava por lá, mas não via, por isso que eu digo que foi um encontro de alma. Eu não via ele ali do lado do meu bairro e olha que eu sou curiosa, viu?”

 

Nessa mesma época, estava participando de um curso ministrado pelo roteirista, professor e montador fortalezense Firmino Holanda. Mesmo tendo várias histórias em mente, não sabia qual deveria colocar em um projeto. 

 

Foi após o que considera uma série de acasos do universo que o encontro com Seu Vavá ocorreu. Durante uma caminhada no centro, ouviu o convite de uma amiga feito de dentro de um ônibus para participar de um “Percurso Urbano” organizado pelo Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) Fortaleza. 

 

A iniciativa realizava uma série de passeios roteirizados em ônibus com distintos objetivos: buscar por grafites e intervenções urbanas nas ruas; visitar as dunas da cidade e, no caso do passeio de Iasmin, conhecer os cineclubes da região central de Fortaleza. Foi ao chegar no terceiro ponto do passeio que a artista chegou ao cinema de rua Cine Nazaré.

“Quando eu vi o seu Vavá, o cinema, com todos os maquinários, eu fiquei louca. ‘Pronto, é essa a história que eu vou botar’ e ninguém tinha feito nada sobre ele. Eu achava absurdo, porque tinha muita gente em Fortaleza produzindo para o lado da memória, como o Firmino Holanda, Petrus Cariry...”

E foi então, depois desse primeiro encontro marcado por encantamento e acaso, que Iasmin juntou uma equipe, pegou equipamentos emprestados com a Vila das Artes e realizou o curta sobre a história do cinematógrafo apaixonado por filmes.

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