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Em um cenário em que as políticas públicas para produção ainda não são suficientes para atender a demanda local, realizadores audiovisuais lutam para fazer seus filmes com pouco ou nenhum recurso

Por Januele Melo

"O filme tem essa relação do jovem negro com a cidade no sentido de que o personagem principal do filme, que é o Diogo, ele é um personagem que sai muito, frequenta muitos lugares e a gente trabalha muito a ideia da mãe dele que fica esperando sempre ele chegar em casa".

Movidos pelo desejo de realizar um filme que contasse o lado da história de jovens negros de periferia que sofrem com a violência em abordagens policiais, o jovem Rafael Luan, 27, e um grupo de amigos se juntaram para vender água e bebidas em praias e festas na capital cearense e fizeram rifas para arrecadar recursos para a produção. “A gente fala que é um filme feito “sem grana”, mas a gente sabe que não existe filme sem dinheiro, então a gente começou a pensar nas possibilidades de arrecadar grana para fazer o ‘Banzo’”.

 

Na época em que pensou o roteiro, Rafael havia saído há pouco tempo de um curso de formação no Porto Iracema das Artes, onde teve sua iniciação no mercado audiovisual. Lá, teve sua primeira experiência como roteirista de um curta-metragem que foi posteriormente produzido com direção de outro aluno sob orientação dos professores do curso. Embora já se interessasse pela escrita de roteiros, que alimentava de forma autodidata, ele teve formação inicial nas ciências sociais, de onde conta que veio sua aproximação do processo de criação de narrativas a partir do seu interesse em pesquisar as narrativas do corpo negro. 

 

‘Banzo’ nasce da vontade de Rafael de tratar dessa temática sem precisar recorrer à forma mais comum de representação da violência. “A primeira coisa que eu pensei foi fazer um filme sobre a temática que, no momento, era muito latente pra mim, que era a relação da polícia militar com o jovem negro. Eu comecei a pensar nas possibilidades de falar disso de uma forma não tão violenta, que já é uma coisa muito recorrente no cinema brasileiro”. Com o roteiro pronto, ele passou a se reunir com amigos vindos de várias periferias de Fortaleza para pensar o projeto, que foi se tornando cada vez maior. 

 

“Apesar de ser um filme feito sem grana, o roteiro pedia uma estrutura muito requintada de realização, de produção de vídeo, de equipamentos que a gente não tinha muito acesso”. Diante dessa necessidade e da perspectiva de realização com recursos limitados, a solução foi solicitar o empréstimo de equipamentos da Vila das Artes, que entraria como co-produtora, por meio de um edital anual de empréstimo para pessoas físicas e jurídicas para desenvolvimento de atividades culturais.

 

Mesmo com o empréstimo de equipamentos e contando também com a colaboração de amigos e outras pessoas que queriam apoiar o projeto, por meio de doações, as limitações financeiras para a execução do filme reduziram as possibilidades de gravação. “Pelo filme não ter grana, não ter muito dinheiro para as filmagens, a gente perdeu muitas possibilidades de gravar a cena. Algumas cenas tiveram que cair do roteiro”, lamenta.

 

Segundo ele, o processo fílmico do curta, que durou cerca de sete anos, desde a concepção do roteiro até o processo de realização e de finalização, foi possível muito mais pela força de vontade dos envolvidos do que pelas perspectivas de custeio de sua produção. “O filme foi bem difícil porque a gente tinha que pré-produzir o filme e tinha que conseguir arrecadar grana para essa pré-produção. A gente contou com ajuda no processo, mas ele foi feito muito coletivamente. Não é um fundo coletivo, mas é um filme que foi feito muito coletivamente a partir da nossa vontade”.

A história de Rafael em meio às dificuldades para conseguir recursos financeiros para produzir seu filme e também em relação à demora para finalizar sua produção não faz parte de uma realidade isolada, mas de um contexto pelo qual passam muitos dos realizadores audiovisuais inseridos no mercado cearense de produção de filmes. Não apenas ‘Banzo’ precisou contornar a questão financeira para tomar forma, mas dezenas de outros filmes também. Pelo menos é assim que funciona para o cinema independente, que não está ligado a grandes instituições privadas de financiamento de produções. 

 

“A gente chama de cinema independente quando tá ligado a uma produtora pequena ou a um diretor que tá ali fazendo filme sem dinheiro ou por incentivo de edital”, explica a realizadora audiovisual Sabina Colares, que hoje tem uma produtora própria. Apesar disso, e mesmo conseguindo ganhar editais, ela já esteve em um lugar como o de Rafael, batalhando para produzir sem recursos. “Eu acho que tenho uns três filmes independentes. Foram feitos na raça mesmo, a galera que se junta e faz”. 

 

Tendo se iniciado no audiovisual quando era estudante de letras, ela se viu ainda mais imersa nesse universo quando passou a integrar a Associação Cearense de Cinema e Vídeo (ACCV), entidade que era composta por realizadores que se reuniam para discutir as políticas públicas necessárias para o setor. Desde que começou a se inserir nesse mercado, Sabina já se interessava por esse espaço político que pensava e propunha mudanças no audiovisual.

 

Com o fim da ACCV, por volta de 2008, surgiram os fóruns de linguagem, organizações da sociedade civil para pensar a cultura, sendo também espaços de diálogo com o poder público. “A Secretaria de Cultura reconhece os fóruns de linguagem. Eles acabam tendo poder de escolha, de sugestão e principalmente de edital, de política pública”, explica Sabina. Segundo ela, foi a partir das reuniões de membros do fórum do audiovisual que houve o fortalecimento do Edital Ceará de Cinema e Vídeo, sendo hoje um dos principais mecanismos para o fomento do setor no Estado, ainda que sofra com descontinuidades. 

 

Pensado para ser uma política anual, o edital segue um descompasso de realizações. Nos anos de 2009 a 2012, ele seguiu a periodicidade proposta, mas, no ano seguinte, essa constância foi interrompida. De 2014 a 2016, voltou a ser anual, mas, em seguida, enfrentou nova lacuna de oferta, retornando novamente apenas em 2019 - sua edição mais recente. Além disso, embora a retomada do edital tenha sido considerada importante, ela aconteceu em um contexto de atraso de pagamentos dos proponentes contemplados na última chamada e com um valor muito abaixo daquele da edição anterior. 

 

Apesar de contar com um financiamento maior da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-Ce), por parte do Fundo Estadual de Cultura (FEC), a falta da complementação do investimento pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) nessa nova edição se traduziu em perdas lastimáveis. Em termos numéricos, o investimento exclusivo da Secult coloca no edital R$ 8,2 milhões, o que corresponde a R$ 1,2 milhão a mais do que o valor investido pela Secretaria na edição anterior, quando havia colocado R$ 7 milhões. Ainda assim, na comparação com 2016, esse total representa uma perda de R$ 8,8 milhões, devido à ausência do valor investido pela Ancine, de R$ 10 milhões. 

 

A perda desse complemento da Ancine, assim como de outros recursos públicos destinados ao audiovisual local, em razão da política de desmonte na atuação do governo Bolsonaro, fez com que o edital de Cinema e Vídeo se tornasse uma das poucas fontes de financiamento públicas para o setor no Ceará. Acompanhada por uma categoria cheia de expectativa, em um ano em que a produção cearense se destacava como nunca antes em festivais e salas comerciais, a última edição (de 2019) era um alento. No entanto, foi cancelada após quase dois anos desde o seu lançamento. 

 

Antes dos cortes realizados pelo atual governo federal na Ancine, muitos projetos cearenses conseguiam ser realizados com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), seja por editais próprios da agência, em que os produtores se inscreviam diretamente, seja pelas linhas regionais do FSA. Uma dessas fontes de recursos regionais, que possibilitava a produção no Ceará, era proveniente de uma lei que destinava 30% dos recursos de todas as linhas do fundo para projetos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste - o chamado CONNE (Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste).

 

Além disso, os próprios complementos feitos aos editais Cinema e Vídeo até a penúltima edição (2016), por exemplo, eram parte de uma das linhas do Fundo Setorial do Audiovisual, chamada de arranjos regionais, que injetava dinheiro nos editais realizados por estados e municípios. Marcelo Ikeda, professor de cinema na Universidade Federal do Ceará com foco em pesquisas sobre as políticas públicas e a economia do setor, explica como se dava o funcionamento dessa política. “Os editais são organizados pelos entes regionais, a Secult organiza o seu edital com todas as categorias e a Ancine complementa. Então, por meio dessa linha de arranjos regionais, a cada real que o estado coloca nesse fundo, a Ancine complementa com 3 ou até 5 reais. Então o edital pode triplicar ou quintuplicar os recursos segundo as suas características”, explica. 

 

“Com a Ancine, e, principalmente, a partir de meados de 2010, com o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que se tornou a principal fonte de financiamento do audiovisual brasileiro, o cinema brasileiro conseguiu hoje um outro patamar”, avalia Marcelo Ikeda.  Criada pela Medida Provisória 2.228-1/01 para atender a um mercado que se reestabelecia no período de pós-retomada do cinema nacional, a agência se tornou o marco regulatório da indústria cinematográfica brasileira. Já o Fundo Setorial do Audiovisual foi criado em 2006 pela Lei nº 11.437 e regulamentado pelo Decreto nº 6.299 apenas 1 ano depois.

 

Importante frisar aqui que, para além do que muitas pessoas acreditam, essas formas de financiamento do audiovisual não retiram do governo um dinheiro que poderia ser destinado a outras áreas, como saúde e educação. A maior parte do valor empregado nesse mercado vem de um tributo cobrado da cadeia produtiva cinematográfica e videofonográfica nacional chamado de Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).

 

Para além das leis criadas a partir da Ancine, o país conta ainda com a Lei Rouanet (1991), a Lei do Audiovisual (1993) e agora também a Lei Aldir Blanc (2020). Diferentemente da Lei do Audiovisual, que incentiva apenas a produção audiovisual do país, a Rouanet contempla outras áreas, como peças de teatro, shows, espetáculos e exposições, tendo ambas sido importantes para a retomada do cinema brasileiro após o encerramento em 1990 da Embrafilme, , a antiga Empresa Brasileira de Filmes S.A., que funcionava como produtora e distribuidora de filmes.

 

Nos moldes da Lei Rouanet, que funciona a partir do incentivo fiscal - permitindo que pessoas físicas e jurídicas destinem parte do dinheiro que iria para o Imposto de Renda a obras artísticas -, há ainda, no Ceará, o Edital Mecenas do Ceará, que permite a destinação de recursos para projetos culturais captados via renúncia fiscal do Governo do Estado de até 2% do montante mensal recolhido.

 

Em se tratando do mais recente apoio ao setor cultural nacional, a Lei Aldir Blanc, chamada também de Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, destinou verbas aos governos estaduais e municipais para a realização de ações emergenciais de apoio cultural durante a pandemia da Covid-19. No Ceará, o audiovisual foi contemplado com o Edital de Apoio ao Audiovisual Cearense – Lei Aldir Blanc, da Secretaria de Cultura do Ceará, que viabilizou um total de 40 projetos, sendo 22 de produções de filmes, custeados com valores de baixo orçamento (BO) de R$100.000,00 (no caso de curtas-metragens), R$ 800.000,00 (para longas-metragens - documentários) e R$ 1.400.000,00 (para longas-metragens - ficção).  

 

Apesar das quantias dos projetos seguirem os valores de mercado do Ceará para curtas e longas (documentário e ficção), Marcelo Ikeda acredita que a concentração desse alto valor de recursos em poucos projetos não fez sentido para uma lei emergencial. “Para que a Lei Aldir Blanc faça sentido, como uma lei emergencial, os recursos devem ser pulverizados, devem ser projetos pequenos de quantia pequena para realmente conseguir atingir a todos os setores da cadeia do setor do audiovisual, chegando não só nas grandes empresas, mas realmente lá na ponta, aos artistas que precisam realmente desse dinheiro”.

Fontes públicas de investimentos em audiovisualMarcelo Ikeda
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Atravessamentos Urbanos: Apesar de ser chamada de produção independente, a produção daqui ainda é, de certa forma, muito dependente do Estado, né? Se a gente se debruçar sobre as políticas públicas de fomento ao audiovisual adotadas desde o período da retomada  do cinema, como você acha que elas influenciam o mercado a ser como ele é hoje?

 

É uma pergunta complexa, mas eu começaria respondendo assim que 90% das economias do mundo precisam de apoio público, precisam de políticas públicas para o desenvolvimento do setor audiovisual, porque a indústria de cinema e audiovisual do mundo inteiro é extremamente concentrada. Ela é baseada num oligopólio global, baseado nas majors, que tem a origem nos estúdios norte-americanos: que são a Fox, que agora nem tem Fox mais porque ela foi comprada pela Disney, a Disney, a Sony, Universal, Paramount, Warner. São essas  as empresas que controlam o setor cinematográfico de todo o mundo. Então, o cinema fora do norte-americano, o cinema, para ele sobreviver, precisa de apoio do Estado. E é assim na França, é assim na Alemanha, na Espanha, na Itália. Mesmo países europeus com uma economia bem robusta só sobrevivem a essa escala global, a essa invasão global de produtos hegemônicos, se tiverem um apoio do Estado.

AU: Como você percebe essa diferenciação entre o mercado audiovisual mais voltado para o comercial e aquele mais artístico? Em termos de distribuição e difusão dos filmes, quanto impacta para o crescimento do mercado local quando esses filmes ficam muito restritos a festivais, por exemplo?

 

Eu acho que o grande desafio do cinema brasileiro é furar essa bolha. Até digo assim que a gente vive numa bolha porque parece que os filmes mais importantes do cinema brasileiro não são vistos, não são conhecidos, né? Isso é um problema, porque pode passar uma impressão, para uma parcela significativa da nossa sociedade, que a nossa cultura e o nosso cinema não tem visibilidade, que não ecoa, sabe? Porque os canais de distribuição são controlados pelas empresas hegemônicas, igual agora… a gente está vivendo um momento muito grave de transformações do mercado audiovisual, que é essa penetração das plataformas de streaming. Você vê o Netflix por exemplo, que é uma empresa que está no mundo inteiro.

 

AU: Os filmes são realmente dependentes dos editais?

 

Total. Ele é muito dependente por aquilo que eu falei no início… eu acho que não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O  apoio da política pública é fundamental para você conseguir resistir a essa estrutura de produção e circulação massificada de filmes, como Vingadores Ultimato, que passam em 80% das salas de cinema do mundo. Então acho que é inevitável você ter política pública, mas ao mesmo tempo é isso: acho que a gente tem que criar alternativas para não ser também totalmente dependente, exclusivamente depende, do dinheiro público para produzir filmes. Acho que a gente tem que pensar outros arranjos produtivos que tornem a produção de cinema possível para além do estado, porque, por exemplo, a gente está passando por um momento agora em 2021, que criminaliza o artista por conta de uma política federal. Então os investimentos dos recursos para cultura e também para o cinema e o audiovisual - que é um setor mais caro em termos do volume de produção do que a média dos outros setores culturais -, você vê... a Ancine, e o próprio fundo setorial, com investimentos super pequenos. Então diminui de forma absurda, drasticamente, os investimentos para o cinema brasileiro… e ainda mais com a pandemia se tornou ainda mais difícil. Com a crise econômica, com a pandemia, com a criminalização do setor da cultura do Brasil, hoje a gente vive uma crise institucional estabelecida em que a sobrevivência do artista realmente é uma questão que está em jogo, de como os artistas vão sobreviver a esse momento.

 

AU: Você não acha que o mercado perde muito em não ter, por exemplo, políticas que possam ajudar as pessoas que estão começando esse processo ou que acabaram de concluir um curso de formação a entender como se colocar nesse mercado, como entender os editais e conseguir também ter acesso a eles?

 

Com certeza. E também são muito importantes conversas entre os realizadores, festivais, cineclubes, pontos de encontro entre realizadores, produtores, artistas, técnicos para que eles possam se conhecer, circular, trocar ideias. Também muitas vezes, não só no Ceará, mas fora, os setores culturais artísticos são muito estanques. Então fica o pessoal do cinema com o pessoal do cinema, o pessoal do teatro com o teatro, a música com a música. Faltam de espaços de circulação que essas artes possam se encontrar, possam trocar ideias não só no ponto de vista de mercado, de gerar trocas, mas trocas simbólicas também.... porque eu acho que é esse caldo, esses encontros que vão gerar realmente essa potência de criação artística. Então acho que é não só essa formação de como preencher  formulário e tudo mais, mas é de estimular realmente uma política, em que entram também questões da cidade, espaços que estimulem realmente esse lugar de encontro, de troca, de intercâmbio, porque esse contato é que vai trazer, de fato, a potência da criação artística.

AU: Então dessa forma seria possível tornar o cinema cearense mais plural, mais diverso, mais democrática?

 

Sim, porque o cinema, a cultura também refletem questões da nossa sociedade. A sociedade cearense também é desigual, tem as suas dificuldades - espaciais, sociais -, tem o coronelismo, tem questões arraigadas historicamente. Então existem várias barreiras para que essas tribos se encontrem, para desestabilizar as demarcações de fronteiras. Então eu acho que a arte, a cultura estão aí para confundir, para problematizar. E eu acho que a política pública, ou outros agentes fora do Estado, podem fazer iniciativas exatamente nessa ideia das redes. Essa ideia das redes é muito útil para pensar, porque arte está sempre num contexto, num contexto dos artistas, num contexto da sociedade, num contexto do mundo. Então essas relações de trânsito e de troca são fundamentais para estimular o processo da criação.

 O ESTADO E O MERCADO 

Se engana quem pensa que, para trabalhar com cinema, basta ter boas ideias e saber escrever. Pelo menos não é assim para quem busca fazer parte do mercado cinematográfico brasileiro, que existe em um cenário de disputa. A realidade da cadeia produtiva do audiovisual mostra que ainda há uma grande concentração nas mãos de grandes empresas hegemônicas e que, apesar dos avanços das políticas públicas voltadas para o setor, elas ainda não são suficientes para contemplar todos os agentes inseridos no campo. Assim, para fazer cinema no Brasil, é preciso entender como se colocar nesse espaço. 

 

Atualmente trabalhando em sua própria produtora, a realizadora audiovisual cearense Lays Antunes, 33, reconhece a importância de ter esse entendimento do mercado. No entanto, ela conta que, antes de começar a graduação e mesmo no início dos seus estudos na universidade, ainda não tinha essa percepção de mercado. “O que eu aprendi nos primeiros semestres da faculdade foi mesmo essa coisa muito mais ingênua de saber mexer numa câmera, de saber um enquadramento, de entender o que é um formato de um roteiro. Não tinha a menor noção de como é que vendia um filme e do que é que precisava para conseguir dinheiro para fazer um filme. Eu fui entender isso bem depois”.

 

Tendo iniciado os estudos em cinema e audiovisual logo após sair da escola, quando do início dos cursos superiores em Fortaleza, ela percebe os obstáculos que enfrentou pelas lacunas em sua formação, mas entende o processo como algo essencial para sua trajetória. “Ter começado naquela época foi complicado por causa da própria faculdade, porque eles ainda estavam tateando para entender o que ensinar. Mas, de certa forma, foi massa porque, aos trancos e barrancos, eu fui fazendo o meu currículo e aprendendo as coisas que tinha interesse. E o negócio que foi fundamental mesmo foi ter feito esse curso de economia e mercado porque eu entendi como é que o negócio funciona, sabe?”, fala citando o curso ministrado pelo professor Marcelo Ikeda aprovado em edição única no Edital Cinema e Vídeo. 

 

Mesmo com essa compreensão e já estando há quase dez anos dentro do setor audiovisual, Lays ainda encontra dificuldade em captar recursos locais para produzir seus projetos. “Eu acho que nunca trabalhei num projeto do edital de cinema e vídeo daqui. Se eu trabalhei foi uma vez perdida”. Para contornar isso, ela procura se inserir em outros mercados. “O trabalho que eu faço que me remunera é um trabalho que vem de fazer negócios com TVs de outros lugares. Se fosse para eu trabalhar no mercado local, eu iria estar meio desesperada”.

“Entrar no mercado daqui é complicado, porque a gente não tem muito incentivo regional. Aqui não é um lugar que tradicionalmente tem uma quantidade suficiente de recursos para você viver disso. Fazer as coisas aqui é ter muita noção de mercado a nível nacional e mundial. Nacional, principalmente, para você entender como é que você consegue fazer negócios com outras partes do país para você conseguir sobreviver”.

Quem também faz sua avaliação do mercado é a produtora Sabina Colares. Para ela, o que falta para o Ceará é uma indústria cinematográfica que seja mais abastecida de oportunidades. “Hoje, para mim, existe uma bolha pequena de pessoas que conseguem viver do audiovisual, que conseguem viver fazendo cinema, sobrevivendo às duras custas desse audiovisual, desses editais, mas essa indústria tão sonhada como tem nos Estados Unidos, que você trabalha em três ou quatro filmes no ano, que você tá muito bem financeiramente, não tem. O que tem são pessoas que fazem um filme a cada dois ou três anos”.

 

A produtora, que se coloca como “pessoa que vem do movimento político” por ter ingressado em grupos políticos desde a faculdade,  associa as condições que viabilizam ou dificultam o desenvolvimento do mercado audiovisual à organização política da sociedade. “Esse pequeno mercado é extremamente de acordo com a entrada e saída do governo. Nós não temos uma lei que nos proteja, então nosso edital pode acontecer ou não dependendo do interesse, da percepção e da vontade da importância que o governador ou o prefeito dê ao audiovisual”.

 

Para ela, falta uma postura por parte do estado que enxergue nesse setor uma categoria profissionalizada. “O poder público ainda não consegue ver o audiovisual como um trabalho, um ofício como qualquer outro. Qualquer trabalho na sociedade que a gente vive, seja médico, advogado, professor, todos têm seus sindicatos, têm suas leis trabalhistas que os resguardam e nós não temos.”

“O audiovisual é um lugar que só fica quem ama, porque ele é muito incerto. Você construir uma família num lugar onde você não sabe se o dinheiro vai vir ou não vai, mesmo que você seja privilegiado, muita gente não suporta, porque é uma vida de incertezas".

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