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Quais são os símbolos de uma cidade? Através do cinema e audiovisual, moradores de Fortaleza voltam suas câmeras para o riacho Pajeú, a Ponte Velha e o Lord Hotel, a fim de resgatar parte de suas histórias.

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As cidades são as pessoas. A partir das produções sobre mulheres do teatro fortalezense e de um fazedor de cinema de rua da capital, conseguimos perceber que para além dos prédios, construções e avenidas, a cidade é feita daqueles que a habitam.

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A busca de sujeitos de Fortaleza pela própria história e a luta por uma outra narrativa sobre seus corpos resgata a memória por meio de produções audiovisuais. Atravessado pela cidade, o passado também carrega as lembranças privadas de indivíduos

Com leveza e atenção, o jornalista, historiógrafo e documentarista Nirez conversa sobre seu trabalho de coletar, registrar e escavar eventos do passado de Fortaleza, apontando ainda os caminhos possíveis para se debruçar sobre fatos históricos

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Por Beatriz Rabelo

Era 17h34, o sol já estava se pondo pela janela e o imaginava sentado em uma cadeira de madeira de seu escritório. No canto do cômodo deviam ter livros de capa dura empilhados sobre escrivaninhas, as gavetas cheias de arquivos antigos e uma parede preenchida com incontáveis quadros pendurados. 

 

O telefone tocou quatro vezes e comecei a pensar que talvez ele estivesse ocupado demais para atender. Sendo aquela a terceira tentativa de contatá-lo em menos de duas semanas, havia me preparado para a caixa postal. No entanto, foi no quinto toque que me atendeu. 

 

Pronto? 

 

Do outro lado da linha, quem respondeu foi Miguel Ângelo de Azevedo. O jornalista, pesquisador e colecionador de 87 anos, mais conhecido como Nirez, tem a voz rouca e, ao atender, carregava um tom de dúvida, como se perguntasse quem era a pessoa que estava ligando tão perto da hora do jantar. Torci para não estar atrapalhando. 

 

Alô, Nirez? Aqui é Beatriz, sou estudante de jornalismo da UFC — me apresentei, já questionando se ele teria um tempinho livre para conversar comigo sobre seu trabalho como “escavador” de eventos históricos. Eu buscava entender melhor a sua maneira de perceber a memória. Sem impor qualquer dificuldade, a conversa iniciou de forma leve.

 

Em meio a um trabalho atravessado por Fortaleza e memória, o ouvido atento à fala de Nirez abre possibilidade para compreender a importância de se voltar para o passado e descobrir outras formas de entendê-lo. Nirez, que se debruça sobre revistas, jornais antigos, fotografias, filmes e o que mais estiver disponível como documento histórico, explicou que o olhar para o ontem possibilita uma melhor compreensão do presente, mas que é durante a construção de diálogos, entre pessoas ou documentos, que é possível descobrir fatos muitas vezes desbotados pelo tempo. 

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“Muitas vezes você sabe alguma coisa sobre um assunto, alguma coisa sobre outro, mas não vê a ligação dos dois. Com uma entrevista ou pesquisa que fale sobre o que está no meio, aquilo que abrange um e outro, você já vai emendando a história”

E foi dessa maneira, com a mesma paciência com que escolhe as palavras ao conversar, que Nirez começou a costurar os pedaços de acontecimentos ocorridos em Fortaleza desde sua infância. Com uma linha em uma mão e a história em outra, o pesquisador segue traçando o zigue-zague entre os registros, trazendo para o agora aquelas memórias quase esquecidas. 

 

A sua fonte de pesquisa é variada. “Procuro em ‘n’ lugares. Eu tenho uma biblioteca, que é onde eu pesquiso muitos livros antigos publicados sobre a cidade. E tem a biblioteca muito vasta do Instituto do Ceará. Além disso, tem os jornais, que acho as principais fontes”. Para ele, os periódicos apresentam ricas informações por serem registros diários do que ocorria no cotidiano da cidade. Nas páginas já amareladas e secas, é possível descobrir um incêndio ocorrido no centro de Fortaleza, a impressionante performance de uma renomada atriz de teatro, a inauguração de um cinema de rua ou mesmo o soterramento de um riacho.

Curiosidade de NirezTrecho da entrevista
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Nirez participou do filme Pajeú  ajudando a protagonista Maristela a descobrir o curso do riacho. Foto: Reprodução/Filme Pajeú

Durante seu processo de pesquisa, o maior desafio quase sempre se configura em encontrar publicações conservadas. “O que eu sinto aqui é que os jornais de época que nós temos, são muito poucos. Os dos anos 1800 se acabaram, não temos mais. Só temos do século 20 para cá e ainda assim, muito mal tratado”, apontou com tristeza, como se recordasse os momentos em que precisou manusear cuidadosamente uma das velhas folhas de um periódico. Da década de 1950 para os dias de hoje, detalhou que consegue lembrar, mas quando os eventos são mais antigos, já precisa recorrer a documentos, que, por vezes, são “dificílimos” de achar. 

 

Considerando as dificuldades vividas ao escavar os eventos da Fortaleza antiga, o conselho de Nirez para aqueles que também desejam se debruçar no trabalho de preservar a memória é manter o discernimento de conseguir compreender o quê, dentre tantos acontecimentos, se destaca como fato histórico. Talvez dessa forma seja possível romper o ciclo do esquecimento ou criar outras narrativas acerca do passado.

OBSERVAR O FATO DENTRO DE SUA ÉPOCA

Nesse processo de organização dos projetos de memória, Nirez utiliza o método de ponderar a relevância do acontecimento dentro de sua época. “A gente tem que pensar o que realmente é importante. Por exemplo, em 1910, inaugurou-se uma loja de ‘sicrana’. Era muito importante, mas hoje em dia se abre uma loja e não tem importância nenhuma, né? Você tem que ver isso”. 

 

Por isso, quando um pesquisador, jornalista, historiador ou cineasta desejar focar a atenção para os fatos transcorridos em décadas passadas, o especialista recomenda cautela no momento da curadoria. Seja para a organização de um arquivo pessoal, construção de uma linha do tempo ou mesmo a produção de um filme, os jovens podem visualizar o passado com a lupa do presente, mas devem evitar comparar feitos como as mesmas medidas, como se a inauguração de um cinema ou um incêndio em estabelecimentos comerciais tivessem o mesmo peso no antes e no agora. 

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“O mais importante é você trazer a história, porque algumas coisas ninguém tem registrado em história escrita. Então tem muitos fatos, pequenos fatos e acontecimentos, que complementam a história e dão razão para muitas coisas.  Às vezes a gente tem histórias como a da Ponte Velha, mas não sabe qual a razão de ter acontecido determinado evento, então a gente vai tentando descobrir”

Entre os extremos daqueles que não se importam em preservar nada e os que já desejam preservar tudo, Nirez se equilibra na linha tênue. "Também não é preservar e tombar tudo. Não há como dar uma parada em uma cidade e ela não sair daquilo. Tem que modificar qualquer coisa, então, a história é importante para contar a evolução dessas mudanças, de como foi e porquê”. 

O que justifica um tombamento?Nirez explica!
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No caminhar para a escrita da história, as casas e os monumentos se configuram como uma parte desse registro a ser acessado. Os jornais, os livros, as pesquisas e os filmes, também. 

 

Após a entrevista que buscava entender a forma de Nirez se debruçar sobre a memória de uma cidade, percebo que quanto mais informações são compiladas sobre um assunto, quanto mais vozes são escutadas, e quanto mais acontecimentos são resgatados, mais plural e profundo se torna nosso ponto de vista coletivo sobre o assunto. Através de uma perspectiva diversa, quase como uma colcha de retalhos de múltiplas narrativas, torna-se mais possível realizar a costura de remendos entre os vazios que ficaram ao longo do tecido histórico.

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